
por Gilmar Dantas Silva
No pós-pandemia, Salvador vive uma explosão de shows e festivais. A cada semana, a capital baiana recebe grandes turnês, festivais e artistas dos mais variados gêneros e circuitos. Enquanto isso, cidades do interior — especialmente Vitória da Conquista, que por muitos anos sustentou uma cena musical vibrante e reconhecida — enfrentam um apagão cultural que tem afastado artistas autorais dos palcos locais.
Esse desequilíbrio não se explica por falta de interesse dos artistas ou de produtores culturais. Ao contrário: o desejo de circular, criar e movimentar a cena continua pulsando. O que mudou foi a viabilidade. Realizar um show autoral em Vitória da Conquista, hoje, tornou-se um exercício de resistência.
Há um conjunto de fatores estruturais que ajudam a entender esse cenário. O primeiro é a precariedade logística. As estradas que ligam Salvador ao interior continuam sem duplicação, o que torna os deslocamentos longos e perigosos. Além disso, os voos entre Salvador e Conquista deixaram de operar aos finais de semana — justamente quando a maioria dos shows acontece —, o que encarece ou até inviabiliza a vinda de artistas, especialmente os que moram fora do estado.
Somam-se a isso os custos de produção em constante alta e a concentração dos recursos da Lei Faz Cultura na capital. Para um projeto no interior competir com as grandes produtoras de Salvador, é necessário não apenas excelência técnica, mas também uma capacidade de articulação política e financeira que muitas vezes foge da realidade dos produtores locais.
A infraestrutura também encolheu. Casas de show emblemáticas do interior fecharam suas portas, e equipamentos públicos como o Teatro Municipal Carlos Jehovah seguem interditados desde 2022. Sem palcos disponíveis, muitos artistas simplesmente não têm onde se apresentar.
O público, por sua vez, também mudou. Há uma crescente dificuldade em tirar as pessoas de casa, especialmente para shows de artistas autorais, que demandam mais do que entretenimento: exigem escuta atenta, envolvimento e disposição para o novo. A cultura do “play” nos streamings e a força dos algoritmos também contribuem para esse isolamento cultural, criando bolhas que desvalorizam a música feita fora dos grandes centros.
Além disso, o desmonte de eventos públicos tradicionais em Conquista, como o Festival de Música da Bahia, o Festival da Juventude, o Festival Avoador, o Conexão Vivo e o Rock Cordel (estes dois últimos não são conquistenses mas tiveram importantes edições aqui), retirou da cidade importantes vitrines para a música autoral. A ExpoConquista ainda acontece, mas perdeu parte de seu papel como espaço de visibilidade para artistas.
A ausência de políticas públicas que compreendam as especificidades do interior e a falta de incentivos da iniciativa privada — que prefere concentrar sua visibilidade nas capitais — completam esse quadro de esvaziamento. Isso sem falar no enfraquecimento da imprensa cultural local e da crítica musical, que historicamente ajudavam a formar público e visibilizar novas cenas.
Nesse contexto, diversos artistas que integravam a cena conquistense nos anos 2010 deixaram a cidade. Nomes como Coral, Guigga, Ana Barroso, Tereza Rachel, Cainã Araújo e Filipe Massimi hoje vivem em outras cidades e têm suas carreiras em ascensão. A artista Assucena, uma das mais importantes vozes da música brasileira contemporânea, é conquistense, mas oficialmente só se apresentou uma vez na cidade. A diáspora artística de Conquista é, ao mesmo tempo, um reflexo do talento local e do abandono estrutural que expulsa criadores.
Apesar disso, algumas iniciativas resistem. O Festival Suíça Bahiana, por exemplo, segue como um dos poucos espaços onde a música autoral, especialmente a novíssima produção brasileira, ainda encontra palco e público no interior baiano. Com quinze anos de existência, o festival tem buscado manter um compromisso com a diversidade musical e com a cena local, mesmo diante de todos os obstáculos logísticos e financeiros.
Mas é preciso mais. A reativação de espaços culturais, a desconcentração dos recursos públicos, a valorização dos produtores locais e a formação de público para a arte que nasce fora do mainstream são medidas urgentes. Do contrário, a Bahia corre o risco de perder não só artistas, mas também a riqueza que só uma cultura descentralizada pode oferecer.
Vitória da Conquista — cidade que já foi referência pela sua efervescência cultural, terra de Glauber Rocha, Elomar e Xangai — não pode aceitar o silêncio como destino.
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