Nas últimas semanas, a relação entre Estados Unidos e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ganhou novos contornos.
No episódio mais recente, veio a público uma carta encaminhada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos alertando o magistrado de que ordens judiciais brasileiras não são executáveis dentro dos Estados Unidos a não ser que sejam reconhecidas pelo país.
“As ordens do tribunal brasileiro não são executáveis nos Estados Unidos, a menos que haja procedimentos bem-sucedidos de reconhecimento e execução nos Estados Unidos”, afirma o documento, obtido pelo analista da CNN Caio Junqueira.
A carta foi uma resposta às decisões judiciais que resultaram no bloqueio de redes sociais americanas no Brasil, como o Rumble.
Moraes determinou a suspensão da plataforma em fevereiro deste ano, após a empresa descumprir uma série de decisões, como a remoção do perfil do jornalista Allan dos Santos, o bloqueio de repasses financeiros feitos a ele e a indicação de um representante legal da empresa no país.
“Não nos posicionamos sobre a aplicabilidade das diversas ordens e outros documentos judiciais que ordenam o Rumble a agir dentro do território brasileiro, o que é uma questão de lei brasileira”, diz a carta (leia a íntegra aqui).
“No entanto, na medida em que esses documentos ordenam o Rumble a realizar ações específicas nos Estados Unidos, informamos respeitosamente que tais diretivas não são ordens judiciais executáveis nos Estados Unidos”, complementa.
A rede social chegou a voltar ao ar em fevereiro, mas, posteriormente, foi novamente suspensa, em meio à controvérsia jurídica.
A carta é datada do dia 7 de maio de 2025 e foi endereçada ao Ministério da Justiça tendo como destinatário final “Hon. Justice Alexandre de Moraes”.
Como a CNN revelou, o Ministério da Justiça confirmou seu recebimento no dia 27 de maio às 15h.
Prenúncio de sanção
Em entrevista à CNN, a professora de direito internacional Maristela Basso afirmou que a carta pode ser interpretada como um “prenúncio” de possíveis sanções por parte do governo americano.
Basso destacou que o comunicado, aparentemente atrasado e sem conteúdo novo para o ministro, pode ser visto como um ato que antecede uma “contra ofensiva dos Estados Unidos”. Ela sugeriu que essa ação poderia resultar em sanções não do Poder Judiciário, mas do Executivo americano.
“Parece que eles dizem [EUA], olha eu mandei essa carta que na verdade não tem muito sentido agora, mas ela anuncia que na sequência eu venho com uma artilharia maior, eu venho com uma decisão maior, agora essa sim temporânea, a questão é agora do tema do abuso da censura”, disse a professora.
Sanção a Moraes
No último dia 21, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou que Moraes poderia ser alvo de sanções norte-americanas.
A informação foi apresentada pelo chefe da diplomacia do presidente Donald Trump durante audiência na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes dos EUA.
Rubio foi questionado pelo deputado republicano Cory Mills (Flórida) sobre a possibilidade de sanções contra Alexandre de Moraes, usando como base a Lei Magnitsky, legislação que permite aos Estados Unidos punir estrangeiros acusados de violações de direitos humanos.
“Isso está sob análise neste momento, e há uma grande possibilidade de que isso aconteça”, disse Rubio ao confirmar o questionamento do deputado.
O que é a Lei Magnitsky?
A Lei Magnitsky é um dispositivo da legislação americana que permite que os Estados Unidos imponham sanções econômicas a acusados de corrupção ou graves violações de direitos humanos.
Aprovada durante o governo de Barack Obama, em 2012, a lei prevê sanções como o bloqueio de contas bancárias e de bens em solo norte-americano, além da proibição de entrada no país.
A legislação foi criada após a morte de Sergei Magnitsky, advogado russo que denunciou um esquema de corrupção envolvendo autoridades de seu país e morreu em uma prisão de Moscou, em 2009. Inicialmente, a lei tinha como foco punir os responsáveis por sua morte.
Porém, em 2016, uma emenda ampliou seu alcance, permitindo que qualquer pessoa envolvida em corrupção ou abusos contra os direitos humanos pudesse ser incluída na lista de sanções.
Restrição de vistos
Na última quarta-feira (28), os Estados Unidos anunciaram a restrição de vistos para estrangeiros, incluindo autoridades, que “censuram” americanos.
O anúncio foi feito por Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA, por meio de publicação no X. Na postagem, ele chegou a citar a América Latina. Entretanto, ele não deu detalhes sobre essa nova medida.
For too long, Americans have been fined, harassed, and even charged by foreign authorities for exercising their free speech rights.
Today, I am announcing a new visa restriction policy that will apply to foreign officials and persons who are complicit in censoring Americans.…
— Secretary Marco Rubio (@SecRubio) May 28, 2025
“É inaceitável que autoridades estrangeiras emitam ou ameacem com mandados de prisão cidadãos americanos ou residentes americanos por postagens em plataformas americanas em redes sociais enquanto estiverem fisicamente presentes em solo americano”, disse Marco Rubio em um comunicado.
“A liberdade de expressão é essencial ao estilo de vida americano — um direito inato sobre o qual governos estrangeiros não têm autoridade”, adicionou.
“Olá, Alexandre”
Horas mais tarde, o conselheiro de Donald Trump, Jason Miller, marcou Moraes na postagem sobre o anúncio dos Estados Unidos.
Na mensagem, Miller diz “Compartilhe isso com alguém que lhe vem à mente imediatamente ao ler isto. Ok, vou começar… Olá @Alexandre!”
Para além da marcação no X, a doutora em Direito Internacional Priscila Caneparo, professora da Ambra University, avaliou à CNN que a medida anunciada pode vir a afetar “diretamente” o ministro.
Como justificativa, ela relembrou o embate entre Moraes e redes sociais de origem americana, como por exemplo o Rumble e o X (Antigo Twitter).
“O Moraes pode ter na ideia deles, corroborado com a ideia de censura em relação a plataformas dos Estados Unidos como Rumble, ainda que a pessoa seja brasileira e que só tenha a decisão só tenha escopo jurisdicional aqui no Brasil, eles poderiam falar de fato que o Alexandre Moraes está tentando censurar, está tentando invadir a primeira emenda, que é a mais importante de todas, que é a questão da liberdade de expressão, eles poderiam aplicar assim”, explica.
Decisão dos EUA é incógnita
Diante do anúncio da restrição de vistos, o governo brasileiro entrou em estado de alerta quanto à possível decisão dos Estados Unidos. Segundo apuração da analista da CNN Jussara Soares, fontes oficiais afirmam que o resultado ainda é uma incógnita, tornando imprevisível qualquer cenário futuro.
Diante desse cenário incerto, o governo do Brasil adota uma postura de extrema cautela. A orientação é manter silêncio e evitar cair em provocações. No entanto, fontes do Palácio do Planalto e do Itamaraty indicam que, caso uma sanção mais dura seja efetivamente aplicada a Moraes, o governo brasileiro se posicionará com uma resposta institucional.
*Com informações de Caio Junqueira, Derla Cardoso, Jussara Soares, da CNN, e do Estadão Conteúdo
Deixe um comentário